Procuradores Portugueses na China
FRANCISCO DE CORDES (1689-1768)
OUTROS DOCUMENTOS
Procuradores Portugueses na China
FRANCISCO DE CORDES (1689-1768)
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ENCICLOPÉDIA DE AUTORES
Manuel Dias Júnior
(1574-1659)
N. 1574; A. 1593; O.S. ?; U.V. 1616; M. 1659
Filho de Domingos e de Maria Fernandes, Manuel Dias, posteriormente cognominado Júnior ou "o moço" (para o diferenciar do seu homónimo, ligeiramente mais velho, coevo na China), nasceu em Castelo Branco, em 1574. Tinha já cerca de 19 anos quando foi admitido, em Coimbra, no noviciado da Companhia, a 2 de Fevereiro de 1593 (ARSI, Lus. 44, 78v). Aí, como o próprio nos dá conta mais tarde, foi seu mestre de noviços o padre Manuel de Lima (1554-1620) (ARSI, Jap.Sin. 17, fl. 10).
Desconhecem-se as datas e os locais em que Dias terminou a sua formação académica e em que foi ordenado sacerdote (talvez em Goa). Sabe-se, porém, que, em Abril de 1601, embarcou em Lisboa com destino a Goa, cidade à qual chegou nesse mesmo ano e na qual permaneceu nos três anos seguintes. Dali prosseguiu para Macau, onde viveu entre 1604 e 1610, e em cujo colégio leccionou Teologia. No termo daquele último ano, entrou, por fim, na China continental, para cuja missão fora designado. Adoptou, nessa ocasião, o nome de Yang Manuo 陽瑪諾/阳玛诺. À excepção de estadias forçadas em Macau, Dias viveu daí em diante na China continental, num período que se estendeu por mais de quarenta anos. Começando por se estabelecer em Shaozhou, na província de Guangdong, ali encetou o estudo da língua, na qual se tornaria “insigne”, segundo Matias da Maia (1616-1667) (ARSI, Jap.Sin. 124, fl. 52v), avaliação que a sua produção textual em chinês parece corroborar. Com a expulsão dos missionários de Shaozhou, em 1612, mudou-se para Nanxiong, na mesma província, e, logo no ano seguinte, para Pequim, juntando-se a Diego de Pantoja (1571-1618) e a Sabatino de Ursis (1575-1620). Aí residiu até 1615, quando, na sequência das ordens do vice-provincial Valentim Carvalho (1559-1630/31), iniciou uma visita pela missão. Entre as suas incumbências, constava a de transmitir a imposição de os missionários se restringirem à actividade religiosa, pondo termo às práticas científicas, nomeadamente no domínio da matemática e da astronomia. No entanto, esta era uma posição que o próprio Dias, autor de um manual de astronomia concluído em 1614, que adiante abordaremos, contestava abertamente anos mais tarde. Sirva de exemplo a carta que dirigiu ao Geral Muzio Vitelleschi (no cargo entre 1615 e 1645), em Abril de 1630, rogando-lhe que todos os anos enviasse “algum bom mathematico” para participar no projecto de reforma do calendário imperial (ARSI, Jap.Sin. 18 I, 93), coordenado por Xu Guangqi徐光啓 (1562-1633), e no qual se contemplava a tradução de textos europeus sobre matemática e astronomia. Entretanto, concluída a visita à missão, iniciada em 1615, Dias já estava em Macau, por meados de 1616, para apresentar ao vice-provincial o respectivo balanço. Foi aí que, no mês de Setembro, fez a sua profissão de quatro votos.
Preparava-se para regressar à China continental quando chegaram notícias dos incidentes ocorridos em Nanquim, com os memoriais de Shen Que e a prisão dos padres Alfonso Vagnone (1568/9-1640) e Álvaro Semedo (1585-1658), ainda em Setembro de 1616, e consequente édito imperial de expulsão dos missionários daquela cidade e de Pequim (Fevereiro de 1617). Foi, assim, forçado a manter-se em Macau, por mais quatro anos. Em 1621, já alcançara Pequim, onde esteve clandestinamente até que, em Fevereiro de 1623, se apresentou com o antigo superior da missão, Niccolò Longobardo (1565-1655), diante do Ministério da Guerra, no âmbito do auxílio militar prestado por Macau aos Ming. Foi com Longobardo que, nesse mesmo ano, preparou o globo terrestre, oferecido ao imperador Tianqi 天啓 (r. 1620-1627), e no qual se observam as assinaturas dos dois missionários. Esta peça em laca, que actualmente integra o acervo da British Library (réplica em Lisboa, no Centro Científico e Cultural de Macau), continha informação relativamente actualizada e mais avançada do que a contemplada no mapa-múndi de Matteo Ricci.
Entretanto, naquele mesmo ano de 1623, Dias tornou-se o primeiro vice-provincial da China, mantendo-se nessas funções até 1635. Viveu, então, sobretudo em Hangzhou e em Nanchang, embora fazendo incursões por outras partes da China, com destaque para Xangai, Nanquim, Jiading e Zhenjiang. Mais tarde, já em 1644, ano da ascensão dos Qing ao trono chinês, Dias encontrava-se na residência de Nanchang, gravemente doente, quando a aproximação do exército manchu o obrigou a mudar-se para a província de Fujian (Jianning e depois Yenping). Em 1648, novamente nomeado vice-provincial, regressou a Hangzhou, ocupando o cargo até 1655 (BA 49-IV-66, fl. 61v). Foi naquela mesma cidade que morreu, no início do mês de Março de 1659, aos 84 anos, de acordo com o seu obituário (ARSI, Jap.Sin. 124, fl. 52v). Foi sepultado no cemitério de Dafangjing 大方井.
Dias tem sido considerado pela historiografia como um dos mais reputados jesuítas portugueses da missão da China, em consequência do conjunto de obras que compôs em chinês, com particular destaque para o já assinalado manual de astronomia ou Tianwen lue 天問略. Concluído em 1614 e editado no ano seguinte, o livro constitui uma introdução ao conhecimento cosmográfico e astronómico ocidental, tendo por base o influente Tratado da Esfera, de Sacrobosco, a par de outros textos europeus de nível mais avançado, numa composição devidamente adaptada a uma audiência chinesa. Em larga medida, o Tianwen lue ficou a dever a sua fama ao pequeno apêndice, de apenas duas páginas, no qual se aludia a algumas das observações realizadas por Galileu com o seu telescópio e, pouco antes, descritas quer no Siderius Nuncius, de 1610, quer em cartas publicadas entre 1610 e 1612. Importa sublinhar que Dias, embora não sendo propriamente um especialista em matemática e astronomia, estava familiarizado com alguns tópicos avançados nesses domínios, conhecimento que adquirira informalmente ao longo do seu percurso, por exemplo, durante os anos em que coabitou, em Pequim, com Francesco Sambiasi.
Tianwen lue 天問略de Manuel Dias Júnior (Pequim, 1615)
Exemplar da primeira edição. Library of Congress: https://www.wdl.org/en/item/7089/
As demais obras preparadas por Dias, em chinês, são de natureza religiosa. Saliente-se a sua biografia de São José, Sheng Ruose sheng shi 聖若瑟行實 (entre c. de 1640 e 1659); o Shengjin zhijie 聖經直解 (Hangzhou, 1642), aparentemente a partir do trabalho de Sebastião Barradas (1543-1615), Commentaria in Concordia et Historiam Evangelicam tomus I-IV (Coimbra, 1599 e 1605-1612); a sua explicação sobre os Dez Mandamentos, Tianzhu shengjiao shijie zhi quan 天主聖教十誡直詮 (1642); ou o seu tratado sobre a estela nestoriana, Jingjiao bei song zheng quan 景教碑頌正詮 (Hangzhou, 1644). Refira-se ainda o Qing shi jinshu 輕世金書, publicado a título póstumo (c. 1680) e composto a partir do Contemptus mundi, o Menosprecio del mundo (Sevilha, 1609 e Lisboa, 1649), a tradução feita por Fr. Luís de Granada, O.P., da obra De imitatione Christi, de de Tomás de Kempis. De Dias sobreviveu ainda um corpus documental manuscrito em língua portuguesa, em que se incluem mais de quinze cartas, entre as quais uma ânua do colégio da Madre de Deus (1616) e cinco da China (1615, 1618, 1625, 1627 e 1635).
Carta ânua da China de 1625, de Manuel Dias. Traduzida de português para italiano, foi publicada em Lettere dell'Ethiopia Dell'Anno 1626. fino al Marzo del 1627 E della Cina Dell'Anno 1625. fino al Febraro del 1626, Roma: Appresso l'Erede di Bartolomeo Zannetti, 1629. O manuscrito original encontra-se na Real Academia de Historia, em Madrid
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOODRICH e FANG (1976), pp. 414-416; LEITÃO (2008), pp. 99-121; MAGONE (2008), 123-138; MAGONE (2017), 227-245; PINA (2008), 152-155; WALLIS e GRINSTEAD (1962), pp. 83-91; Chinese Christian Texts Database – KU Leuven.
A entrada deve ser citada da seguinte forma: Isabel Murta Pina e Paulo de Assunção, "Manuel Dias Júnior (1574-1659)", in Res Sinicae, Enciclopédia de Autores, Arnaldo do Espírito Santo, Cristina Costa Gomes e Isabel Murta Pina (Coord.). ISBN: 978-972-9376-56-6. URL: "https://www.ressinicae.letras.ulisboa.pt/manuel-dias-junior-1574-1659". Última revisão: 15.01.2021.